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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Koeman - "Aquela vitória em Liverpool foi a maior da minha carreira"

em entrevista ao jornal I


Estou sim?

Yes, Ronaald Koemannn speakinggg [apresenta-se pausadamente].

Senhor Koeman, boa noite, obrigado por ter ligado. Falamos inglês ou espanhol?

Ah, bom, prefiro espanhol!

Esta entrevista anda atrasada mas até calha bem. O Benfica vai jogar com o Liverpool e você ganhou-lhes duas vezes.

Pois foi, que grande campanha fizemos na Liga dos Campeões. Primeiro eliminámos o Manchester United na fase de grupos, depois foi o Liverpool nos oitavos-de-final, 1-0 em casa e 2-0 fora. O jogo de Anfield foi uma das melhores noites que tive.

Se calhar foi mesmo a maior vitória da sua carreira de treinador!

Bem, nessa época também ganhámos fora ao FC Porto, para o campeonato [2-0]... Mas, sim, a Liga dos Campeões é outra coisa. Foi a minha maior vitória.

Como preparou esses jogos?

Toda a gente sabe como é o Liverpool do [Rafael] Benítez: uma equipa dura e fisicamente muito forte. O 1-0 que conseguimos em Lisboa foi importante, permitiu-nos ir para Anfield a obrigar o adversário a correr riscos. Sofremos muito nos primeiros 25 minutos, passámos momentos difíceis, mas depois a equipa soltou-se e marcámos dois golos [Simão e Miccoli].

Tinha um jogador perfeito para o contra-ataque: Simão.

É verdade, ele e o Miccoli. Mas o Simão é mais do que isso, aliás, é um desprestígio dizer-se que só joga em contra-ataque. É completo.

Falamos de Simão e Miccoli, mas também tinha uma tal de Beto na equipa.

Eu percebia as críticas que lhe eram feitas: não tinha muita qualidade técnica, mas era um grande jogador de equipa. Muitas vezes, para ter um Simão ou um Miccoli também é preciso um Beto.

Quem é que destacaria mais?

O guarda-redes, o Moretto.

O Moretto?

Sim, fez uma época muito boa connosco. Havia o Moreira, o Quim, mas tivemos problemas com os guarda-redes e no Inverno chegou o Moretto.

Sabe que depois de você sair do clube ele também foi atrás...

Para mim, o guarda-redes joga na posição mais delicada da equipa e não é por cometer um erro que vai para o banco.

Lembra-se de quando ele aterrou em Lisboa?

O FC Porto também estava na jogada.

E houve aquela cena no aeroporto em que um empresário supostamente ligado ao FC Porto foi agredido à frente das televisões.

Sim, sim. Lembro-me de o Moretto chegar a Lisboa. O presidente Vieira foi buscá-lo... mas olhe que não era jogador do presidente. Indicámo-lo, foi uma contratação da equipa técnica.

Em 2005/06 teve um futebolista que lhe deu uma vitória contra o FC Porto (1-0 na Luz) e pouco mais: Laurent Robert.

Mas sabe? Contratámo-lo porque eu conhecia bem o percurso dele em França e na Inglaterra: canhoto, grande marcador de livres, de cantos. Não rendeu o que se esperava, teve muitas lesões e às vezes era conflituoso.

E foi mal recebido no balneário porque ganhava muito para o que fazia?

Eu não falo de dinheiro, isso aí já não é o meu campo. Analiso rendimentos e ele não rendeu o esperado.

O que acha do Benfica de hoje?

Muito forte, a equipa mais forte de Portugal, oxalá seja capaz de ganhar o campeonato. Este FC Porto também não é o mesmo. O Benfica fez grandes contratações e tem figuras como Luisão, um ganhador nato. Mas claro que a equipa mudou, o Nuno Gomes está no banco.

O melhor Nuno Gomes dos últimos anos surgiu precisamente consigo.

Tinha carácter, era um capitão, tal como Simão; era o jogador da casa, que apoiava, que tinha aquela experiência de Itália... Hoje é mais difícil jogar, com o Cardozo e Saviola a marcarem tantos golos. Além disso e com todo o respeito, está a ficar com os seus [33] anos.

E a sua paixão, o Barcelona?

O Barça é a melhor equipa que aí está. Vê-los jogar é um prazer.

Este Barça é melhor do que o seu dream team, onde esteve ao lado de Laudrup e Stoichkov, treinado por Cruijff, campeão europeu em 1992?

Creio que sim, principalmente porque é uma equipa mais regular. É difícil comparar o futebol de hoje com o de há 15 ou 20 anos. A exigência e a qualidade mudaram, trabalha-se mais... Naquela altura tanto ganhávamos 6-0 como na semana seguinte perdíamos 2-0.

O Barça é o que resta da escola que vem do seu país?

Talvez, é o 4x3x3, o futebol de ataque, a aposta permanente na 'cantera'. Isso é muito holandês e é a grande diferença, por exemplo, para o Real Madrid, que segue outra política de investimento.

Por falar em Real Madrid e em dinheiro, o Cristiano Ronaldo não pára de marcar golos de livre-directo.

O Ronaldo chegou ao topo quanto esteve no Manchester United e hoje faz toda a diferença na equipa do Real Madrid.

Mas você, que foi especialista a marcar livres, diga-nos o que acha desde remate que ele inventou, o tomahawk.

Eu não marcava assim, a minha forma de bater a bola era diferente. Cada um desenvolve a sua técnica e a dele é muito boa e original. É verdade que hoje as bolas também são diferentes, mas isto só se consegue com trabalho.

E você trabalhava muito?

Em dois ou três treinos por semana, ficava mais uma meia hora ou 45 minutos a ensaiar livres. Quer dizer, qualquer jogador pode marcar um golo de livre, mas quem treinar marca muito mais.

Pois, mas você marcou mais de 200 golos na carreira, 33 de livre. Nenhum defesa na história do jogo conseguiu isto. E um desses livres deu uma Taça dos Campeões contra a Sampdoria.

Eu pensava sempre que podia ser golo. Claro que às vezes não entrava, porque a confiança e o momento definem tudo, mas a tranquilidade era uma das minhas melhores qualidades, ajudou-me. Na defesa nem sempre corria tudo tão bem.

Porquê?

Bem, eu não era propriamente o defesa mais rápido do mundo.

Quem era o melhor?

Para mim? Na meu tempo, era fã do Baresi, do AC Milan. Já não se joga assim, o futebol mudou, pede-se outro tipo de qualidades. Agora gosto muito do Puyol, do Barça, é o atleta da garra.

E a sua carreira de treinador como está?

Nos últimos tempos tive pouca sorte com as equipas aonde fui parar. Em Valência ganhámos a Copa do Rei, mas depois o presidente [Juan] Soler teve de sair e o projecto alterou-se. No AZ Alkmaar foi parecido, houve problemas com um banco que estava ligado ao clube. Tenho futuro de treinador, estou a preparar-me para pegar numa equipa no próximo ano.

Que se passou com Albelda, Angulo e Cañizares, para decidir afastá-los quando eram históricos do Valência?

Pensei que tinha de mudar alguma coisa, precisava de mais juventude. Foi só uma decisão desportiva, um feeling de treinador que hoje se prova fazer sentido - a equipa tem jogadores que foram lançados nessa altura.

Agora que está desempregado, vai melhorando o seu golfe?

É verdade, estou a jogar mais, mas também passo mais tempo com a família. Vivo tranquilo na Holanda - só falta o clima de Portugal ou de Espanha - e faço comentários de futebol para uma TV.

Não voltou a Portugal?

Ainda no Natal estive na casa de Vale do Lobo, no Algarve. De vez em quando volto. Nós gostamos do país. Além disso estive um ano no Benfica com grande prazer.

E no próximo ano vai treinar onde? Sabe que o FC Porto procura treinador?

Não sabia.

As notícias dizem que Jesualdo Ferreira está de saída.

Estou sempre interessado em treinar uma grande equipa, nunca se sabe. Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra... o futebol inglês é muito interessante, mas o mais importante é ter boas condições para ganhar e poder instalar-me bem com a minha família.

Deu-lhe gozo ganhar ao FC Porto quando lá estava Co Adriaanse, outro holandês com quem não tinha boa relação?

Isso foi alimentado pela imprensa. É verdade que na Holanda não nos dávamos muito bem, mas depois, em Portugal, éramos como dois estrangeiros que se encontraram e se respeitaram. Após essa vitória no Porto, no final do jogo, fiquei a falar com ele à frente do autocarro do Benfica uns bons 20 minutos. Estávamos tranquilos, como amigos.

Senhor Koeman, obrigado pela atenção e boa sorte na próxima época.

Obrigado, boa noite.

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