A motivação faz milagres. São 7h15 da manhã de 8 de março, quarta-feira, e já estou com o meu amigo Amorim a levantar dinheiro perto de casa. Começo a pensar na dificuldade que é sair da cama todos os dias da semana para ir trabalhar, do esforço que é preciso fazer para chegar ao local de trabalho às 9h. No entanto hoje saltei da cama às 6 e meia sem a menor dificuldade e com energia redobrada, mesmo só tendo dormido umas três horinhas.
A longa espera até ao grande dia
Só dormi 3 horas porque a ansiedade era enorme na noite que antecedia a viagem. Era o culminar de meses de espera em que todos os dias se pensava como seria a tal ida a Inglaterra.
Tudo começou na manhã do sorteio dos 1/8 de final da Liga dos Campeões. O desejo concretizou-se, e a partir daí nunca mais saiu do pensamento o embate com o Liverpool.
O momento em que paguei a viagem, ainda longe de saber o resultado da Luz, foi a primeira altura de satisfação. Feitas todas as sondagens só o amigo João Almeida avançou sem hesitações para a aventura. É natural, apesar de partilharmos o amor benfiquista, temos a mesma admiração pelo Liverpool FC. O sogro dele, outro João, também marcou passagem. Já éramos 3.
Depois a noite em que levantámos o bilhete do jogo, grande excitação receber aquele rectângulo mágico, e a certeza que íamos estar com os nossos de sempre a cantar no mítico Anfield Road.
A partir daí foi gerir a ânsia à medida que o dia 8 se aproximava. Pelo meio várias noites de loucura sempre a acompanhar o Benfica, sempre de volta da mesma paixão.
A partida
Bela sensação esta de caminhar na nossa rua vestindo as cores do Benfica enquanto nos dirigimos para o táxi. Os olhares sorridentes das pessoas que esperam o autocarro para o trabalho, dos condutores que nos fazem sinais de aprovação e o adivinhar do pensamento do pessoal que nos olha: “grandes malucos, vão para Inglaterra ver o jogo”, tudo me enche de satisfação.
Um taxista que nos deseja sorte e diz ser encarnado, deixa-nos rapidamente na entrada do aeroporto. Aí percebemos que houve malta a acordar bem mais cedo do que nós, as filas para levantar os bilhetes do avião eram enormes e imóveis!
Lá nos juntámos ao mar encarnado que dava uma cor linda à entrada principal do nosso aeroporto.
Chega o João Almeida, o último, porque o tio João já lá estava bem mais adiantado na fila. Estavam reunidos quatro benfiquistas com o mesmo nome. Bonito. O Amorim foi o último a comprar a viagem, depois do jogo da primeira mão decidiu juntar-se. Logo ele simpatizante do Manchester United. Mas aposto que passou a ver o Liverpool com outros olhos.
A vontade de seguir viagem era enorme, a demora em dar os bilhetes era desesperante. Fomos nos entretendo a dar entrevistas à TVi. Uma bonita repórter pede para falar connosco, e nós acedemos:
TVi: Expectativas para o jogo, que resultado espera?
J.G.: Vamos perder. (ar de espanto da jornalista) Vamos perder 2-1, e o nosso golo só aparece nos descontos e em fora de jogo.
Após pausa da repórter, visivelmente baralhada, e certamente desconhecedora do facto que aquele resultado nos servia, resolveu avançar para o Almeida:
TVi: E o senhor, que espera do jogo?
J.Al.: Só acrescentar ao que o meu amigo disse que o golo vai ser ao colo...
Tudo isto com ar muito sério.
Lá foi a moça procurar depoimentos mais efusivos e que servissem para encher o jornal da tarde da estação. À nossa volta as gargalhadas já eram muitas.
Até à entrada do avião vi muitas caras conhecidas de amigos que já não via há tempos. Todos com o mesmo sorriso, todos com a mesma esperança.
Finamente prontos para partir, perto das 9 e meia da manhã uma avião carregado de benfiquistas, hospedeiras de cachecóis e a presença de figuras conhecidas como Abel Xavier ou António Oliveira.
São duas horas e vinte minutos de expectativa, alguns cânticos ensaiados após a mensagem do comandante Gonçalves que desejou a nossa vitória.
Imagem bonita vista da janela do avião antes da aterragem, passámos mesmo por cima dos dois estádios da cidade de Livepool. Impressionante proximidade entre Everton e Liverpool.
Tudo correu bem na chegada, polícias simpáticos e educados na recepção, e rápida ligação entre avião e autocarro que nos levava para o centro da cidade.
Passeio no centro da cidade
No percurso aeroporto Jonh Lennon - Albert Dock começamos a fazer as primeiras amizades. Começam-se a revelar os grupos de adeptos mais humorados. O alvo da chacota foi o guia português que a Cosmos destacou para acompanhar os adeptos. Rapaz simpático mas com um discurso com muitos pormenores que lhe foram fatais. Em poucos minutos ganhou a alcunha de... Fifi! A partir daí o Fifi foi o alvo de todas as piadas. Sentados nos últimos bancos do autocarro, foi como regressar aos tempos de liceu das viagens de estudo. Tudo bem, boa disposição no ar.
Tínhamos 4 horas por nossa conta. Lá fomos a pé em busca de pubs e de locais emblemáticos. Paragem no primeiro pub para beber umas cervejas, levantar dinheiro e ir à procura do emblemático Cavern. Um polícia deu-nos a indicação que precisávamos, e pelo meio confessou que estava a torcer por nós porque era londrino e do Chelsea. Agradecemos.
Cavern
Emocionante estar à porta do Cavern! Claro que já não é o mítico local onde os Beatles tocaram 292 vezes, mas há a magia das fotos expostas. Um inglês canta no palco temas dos fab four, isto até o bar ser tomado pelos imensos benfiquistas que iam invadindo o centro de Liverpool. Em pouco tempo os cânticos de apoio ao Glorioso ecoavam pelo Cavern, isto com adeptos do Liverpool rendidos à nossa fé.
Depois uma passagem pela loja dos Beatles, em que o Almeida me foi buscar antes que eu desgraçasse as minhas libras todas, fomos comer o inevitável hamburguer do Burguer King na companhia de mais benfiquistas, claro.
A seguir ao almoço o encontro da praça onde estão as lojas oficiais de Everton e Liverpool. Entrei só na do Liverpool, claro.
Única desilusão desta viagem, a camisola encarnada do Liverpool estava esgotada. Tentei compensar a decepção comprando cachecóis lindos daqueles clássicos só com riscas de duas cores. Mais umas t-shirts, o cd dos cânticos do Kop, e umas lembranças para amigos. Senti-me um puto perdido numa loja de brinquedos.
Já carregados da loja do Liverpool, lá caminhámos para o regresso ao autocarro.
A caminho do estádio
Às 17h20 começou a viagem para o estádio, ambiente já bem animado levou a que as piadas ao amigo Fifi fizessem rir todos os adeptos.
Muita chuva, céu escuro, marcaram o ambiente até Anfield. Passar ao lado da entrada principal no meio dos adeptos da casa é emocionante, ver que a maior parte deles acenava em vez de insultarem fazia adivinhar uma recepção diferente daquilo que sempre acontece quando jogamos fora.
A caminhada a pé do parque dos autocarros até à entrada do estádio foi uma festa. Uma mar encarnado. Éramos muitos, e dava para tudo. Cantar, mostrar orgulhosamente os nossos cachecóis e até parar nas bancas para comprar pins e cachecóis alusivos ao grande jogo.
A entrada é feita de modo espectacular. Rápida, organizada, e com uma revista aos sacos e à roupa impressionante. O polícia que me revistou foi de uma simpatia desarmante, pediu desculpa por ter que abrir os sacos, foi perguntando se a viagem correu bem, se íamos logo a seguir ao jogo para casa, se estava bom tempo em Lisboa, enquanto fazia o seu trabalho de forma exemplar. Para os que costumam andar nestas coisas, como eu que ainda no passado sábado estive na Reboleira a ver o Benfica, não deixa de ser impressionante a diferença entre cá e lá.
Entrada na porta do estádio, ida ao wc, e finalmente a subida às escadas que davam acesso às bancadas.
Anfield Road
É subir as escadas e ficar completamente rendido à beleza das bancadas de Anfield! Um momento para não esquecer. Finalmente, ali estava o The Kop mesmo à minha frente. Lindo, imponente, histórico, já se sentia o cheiro da história do futebol inglês e europeu naquelas cadeiras.
O nosso sector encheu depressa. Éramos uns 3 mil. Estava tudo doido, tudo empolgado por estarmos num sector do Anfield Road. A reportagem da RTP estava ali à nossa frente, sempre que entrava em directo a malta cantava. O Riise não joga e passou à nossa frente. O Zenden também passou e acenou ao ouvir aplausos.
Até à hora do jogo só se ouvia Benfica.
E de repente, a quinze minutos de começar o jogo o estádio encheu, o ambiente aqueceu, e a nossa alma tremeu. Tremeu com os primeiros cânticos de Anfield. Maravilhoso aquilo que os ouvidos registam. O Almeida olha para mim, aponta para a bancada central onde estão os vips ingleses, e pergunta:
-É suposto estes gajos aqui na central também cantarem?!
Pois é, em Anfield não se canta só no topo do Kop. Daí só vem o mote para todo estádio cantar a uma só voz canções de arrepiar, com uma força que faz vibrar toda a estrutura do estádio!
JG,
ResponderEliminarMomentos marcantes desse viagem:
- o "YNWA"
- o estádio a tremer literalmente com o Fields of Anfield Road e "when the reds come marching in"
- o Apoio ao Benfica durante TODO o jogo...
Felizmente fiz essa viagem com o meu pai, a primeira em que ele me acompanhou ao Estrangeiro. O meu pai tem 70 anos e ainda hoje fala daquela viagem e do jogo com um brilho nos olhos.
foi o jogo da minha vida, dificilmente igualável.
ResponderEliminarFalta falar dos milhares de benfiquistas a mijar litros de lager contra o muro quando os autocarros pararam junto a Anfield.
ahaha estava a ler a tua historia e so me imaginava a fazer o mesmo em Hamburgo
ResponderEliminarEu tenho 15anos mas o meu pai ja me prometeu se formos a final agente vai la estar eu nao paro de pensar nisso apesar d ser um sonho ainda distante
Obrigado por apoiares o nosso Benfica!!