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terça-feira, 18 de maio de 2010

Entrevista a Nuno Gomes


n'A Bola

DÍLI —

O que lhe passou pela cabeça quando entregou, na passada semana no Terreiro do Paço, a camisola do Benfica campeão nacional a sua santidade o papa Bento XVI?

— Sabe que já tinha tido oportunidade de conhecer o anterior papa, João Paulo II, e de lhe oferecer uma camisola do Benfica, quando fomos, há uns anos, a Roma jogar com a Lazio na pré-eliminatória da Champions? No dia do jogo uma delegação do Benfica foi visitar o papa e eu, como estava a recuperar duma lesão, fui convidado a integrá-la. Foi uma emoção tremenda conhecer João Paulo II.

— E com Bento XVI?

— Senti um misto de alegria e orgulho. Não é todos os dias que se tem a honra e o privilégio de se estar perto do santo padre e sendo eu católico constituiu um momento muito importante. É mais uma coisa que fico a dever ao Benfica.

— Teve um sabor especial poder oferecer ao papa uma camisola de campeão?

— Olhe, até teve. Sua santidade nem imaginaria estar a receber uma das primeiras camisolas da nova época e muito provavelmente nem estaria ao par da circunstância de o Benfica ter acabado de conquistar o título. Mas aquilo que vi foi o papa a apreciar muito o gesto e a olhar para a camisola com um ar ao mesmo tempo entre o espantado e o entusiasmado. Gostei muito de lhe oferecer a camisola dos campeões nacionais.

— Esta época de 2009/2010, de Jesus ao papa, pode dizer-se que foi, para o Benfica, abençoada?

— Foi. Não será, até, exagero dizer-se que tudo correu bem, excepção feita, quanto a mim, a dois amargos de boca, a eliminação precoce da Taça de Portugal e depois a forma como saímos da Liga Europa, frente ao Liverpool. Julgo que podíamos ter chegado à final e quiçá vencê-la. Tínhamos equipa para isso, muitas das equipas à partida tidas como favoritas foram ficando no caminho e aquilo que fizemos acabou por saber a pouco.

— O que é que falhou? Tinham jogos a mais nas pernas?

— O que falhou? Olhe, a indisponibilidade dalguns jogadores, talvez algum excesso de confiança por termos conseguido dar a volta ao resultado no jogo da primeira mão, facto que poderá ter criado a convicção de que o jogo lá estava ganho. Até começámos bem a partida mas sofremos um golo um tanto ou quanto esquisito e depois o Liverpool mostrou-se uma equipa inspirada. E depois não tivemos estrelinha. Reduzimos a desvantagem e tivemos ocasião para dar a volta ao jogo mas aquele livre do Cardozo não entrou e a seguir sofremos o golo que sentenciou a eliminatória. Mas, de facto, não fizemos um jogo muito conseguido.

— Quando ouviu, no princípio da época, Jorge Jesus dizer que, com ele, o Benfica ia jogar o dobro, o que pensou?

— Não achei, como sucedeu com algumas pessoas, nem que o mister estava a exagerar nem que estaria maluco. Estava por dentro da confiança que o nosso treinador tinha nas suas capacidades, que tinha uma vontade enorme de vir trabalhar para o Benfica, de fazer do Benfica um clube ainda maior, e embora não conhecesse directamente o trabalho de Jorge Jesus tinha um feedback positivo dalguns jogadores que passaram pelas mãos dele e sabia que se tratava dum grande técnico que procurava a oportunidade de, num grande, mostrar serviço. Afinal, o que acabou por conseguir no Benfica deve ser visto como a continuidade lógica do que já tinha feito no Restelo ou em Braga. Porém, após um ano a trabalhar com Jesus, acabei por perceber ainda melhor o que o levou a dizer o que disse no início da época.

— Não é normal ouvir um jogador que não foi titular elogiar dessa forma o trabalho do treinador…

— Não posso dizer mal por duas razões: primeiro porque é muito difícil ouvirem-me dizer mal, pelo menos publicamente, dum treinador, excepção feita, se calhar, a alguns problemas que tive com Roberto Mancini, na Fiorentina. Confesso que opto por ser politicamente correcto; depois porque, francamente, é impossível dizer mal de Jorge Jesus, gosto imenso dele como treinador, trata-se de alguém que excedeu as boas expectativas que já tinha e que é, sem dúvida, um dos melhores técnicos com quem trabalhei ao longo de todos estes anos.

— Em que fundamenta essa visão tão positiva?

— Jesus tem uma maneira especial de pensar o jogo, transpira futebol por todos os poros e trabalha de forma organizada e metódica. Por tudo isto, mesmo não me pondo a jogar, não tenho razões para dizer mal…

— Há alturas em que os jogadores vão para o treino por obrigação, outras em que treinar é um prazer, uma diversão. Como foi ao longo desta época que agora termina?

— Jorge Jesus é extraordinariamente exigente com os jogadores e não vou dizer que não tenha havido, aqui ou ali, menos predisposição para lidar com uma forma de estar que tem por objectivo tirar tudo de cada um dos elementos do plantel. Mas ao longo da época tive oportunidade de dizer a alguns colegas que não me importava de sofrer o que sofremos, para estar ao nível da exigência de Jesus, e no fim termos uma festa extraordinária como a que vivemos.

— É minha convicção que o Nuno Gomes marcou o golo do título no último suspiro do jogo de Olhão, numa fase delicada da Liga em que uma derrota antes da visita do FC Porto poderia comprometer aspirações. Partilha esta ideia?

— Foi, de facto, um golo muito importante, mais importante até que aquilo que, passados seis meses, será normal admitir. Sabe, nas contas finais deixámos o Sp. Braga a cinco pontos, o FC Porto a oito, marcámos mais de 100 golos em jogos oficiais, o que pode levar a que se desvalorizem alguns momentos. Mas naquela noite não estivemos bem e foi muito positivo termos salvo um ponto.

— Os títulos são todos bons, não há vitória num campeonato que seja amarga, mas, posto isto, o título de 2009/10 soube melhor que o de 2004/05?

— Este foi conquistado com outra dimensão e ao sabor duma fantástica onda encarnada que nasceu logo de início e se foi avolumando com vitórias, goleadas e momentos de grande futebol, até assumir as proporções que todos bem conhecem. Foi maravilhoso ver o Estádio da Luz quase sempre cheio e inesquecível a sensação de andarmos na rua e as pessoas darem-nos os parabéns pelo nosso trabalho. Foi um ano excelente em que merecemos, sem margem para qualquer dúvida, ser campeões nacionais.

— Chegou ao Benfica em 1997, o que significa que já tem muitos anos de casa. Esta foi a mais bonita de todas as épocas que viveu de águia ao peito?

— Foi. Sem dúvida. Apesar dos anos de casa que tenho só fui campeão duas vezes e desta vez foi especial e diferente. Foi bom ir para os jogos e sentir a emoção dos adeptos, o calor e o apoio constantes; foi boa a sensação de terminar muitas partidas com vitórias folgadas, sem espinhas; foi excelente a alegria no balneário durante a semana. Foi, de facto, a época mais feliz que vivi no Benfica.

FUTURO PASSA

PELO BENFICA

— Embora se saiba que o futuro a Deus pertence, qual vai ser o seu? Cumpre a época que lhe resta de contrato com o Benfica e depois passa para outras funções no clube ou queima uma etapa e aventura-se já num patamar diferente na organização do futebol encarnado?

— A minha ideia é cumprir o ano de contrato como jogador que me resta e depois disso pensar naquilo que será a minha vida daí em diante. Já tive oportunidade de dizer, e agora reafirmo-o, que gostaria de ficar ligado ao Benfica, porque é o clube de que gosto, porque se trata do clube, quando acabar o futebol, que vou continuar a apoiar e seguir. Como posso colocar melhor esta questão? Olhe, não me consigo imaginar a sofrer pelo Benfica longe do Benfica. Gostava de permanecer junto da equipa e dos adeptos.

— Já teve conversas com Luís Filipe Vieira sobre essa matéria?

— Não, nunca falámos sobre isso nem desejo que isso venha a ser visto como um qualquer tipo de prémio pelos anos vividos por mim no clube ou pela dedicação que tive. Quero ficar no clube apenas por critérios de utilidade. Julgo que virei a ter oportunidade, em conjunto com os responsáveis, de estudar a área onde poderei ser mais útil, fora das quatro linhas.

— Arrumadas as botas, para que área se sente mais vocacionado?

— Francamente, não sei como responder a essa pergunta. É matéria a que não dediquei tempo de reflexão porque me sinto ainda jogador, sinto-me com plenas capacidades para fazer mais uma época. Felizmente tenho alguma experiência, não só como futebolista mas como cidadão do mundo, e poderei, por certo, fazer aquilo em que for mais útil.

O FILHO QUE

VEM A CAMINHO

— Vai ser pai pela segunda vez. Já pensou que enquanto a sua filha o vê como jogador, o seu filho vai conhecê-lo como ex-jogador?

— Pois é, é verdade e é uma pena que isso aconteça mas as coisas são o que são. Felizmente tenho muitos meios ao meu dispor para construir um registo da minha carreira e o meu filho não deixará de saber, em pormenor, o que fui como jogador. Espero poder passar, com ele, muito tempo a rever jogos meus, na televisão, e a mostrar-lhe a fila de recortes de jornal que o meu pai tem amontoados no escritório. Espero vir a ter tempo para tudo isso. Quanto à minha filha, adora futebol, joga futebol muito bem e gosta de ver os jogos do pai. Este ano andou triste por eu não jogar tantas vezes mas compreende que é assim a vida dum futebolista.

— A pergunta é batida mas cá vai: gostava que o seu filho lhe seguisse as pisadas?

— Respondendo de olhos fechados, sem pensar muito, digo desde já que gostava. Mas não é um mundo fácil, por vezes é até uma área em que, como em tudo na vida, há bons e maus, há pessoas que tentam atropelar outras para subir na carreira. Mas se o meu filho tiver jeito e se vier a ser isso que ele quer fazer não lhe direi não. Mas terei todos os cuidados para que ele tenha sempre mais opções, para além do futebol, em carteira. Sei que é difícil mas é possível jogar e estudar e no Benfica, actualmente, temos o Luís Filipe que frequenta a universidade.

— Os seus pais também não lhe disseram não...

— Tive uns pais que na altura da grande decisão não me cortaram as pernas e deixaram que iniciasse a minha carreira de futebolista. Permitiram que aos 14 anos mudasse de cidade — eu que vivia em Amarante e nunca tinha saído da santa terrinha, fui para o Porto jogar no Boavista — e por esse facto têm a minha gratidão eterna. Estamos a falar dum tempo em que os meus pais é que mandavam e eu não tinha voto na matéria. Se me tivessem dito não dificilmente chegaria onde cheguei.

A DESILUSÃO

DO MUNDIAL

— Estava à espera de ser convocado para o Mundial de 2010 ou houve algum momento da época em que percebeu que não entrava nas contas de Carlos Queiroz?

— Lamento sinceramente não ter sido convocado, pois assim perdi a possibilidade de juntar um terceiro Mundial aos três Europeus em que já participei. Seria o primeiro jogador português a estar em três Mundiais seguidos...

— Está zangado com o professor Carlos Queiroz?

— Não, estou conformado com a decisão que ele tomou. Não a discuto, sequer. Sei que se tivesse jogado mais durante a época as hipóteses de estar presente aumentariam bastante mas não me importo de confessar que, apesar de não jogar com muita assiduidade, estive, até certo ponto, esperançado em ver o meu nome na convocatória final.

— Algum momento da época em que percebeu que não entrava nas contas de Carlos Queiroz? Quando é que as esperanças se esfumaram?

— Veja, estive na maior parte dos jogos de qualificação e quando, já na recta final, fui chamado para os jogos fora com a Dinamarca e a Hungria e depois para a partida da Luz com a Hungria, acreditei que podia ir. No entanto, ao não ser convocado para o play-off com a Bósnia, percebi que teria escassas chances de estar na África do Sul.

— Chegou a equacionar ir fazer os seis meses derradeiros da época ao estrangeiro?

— Em Janeiro ainda pensei no Mundial e houve duas ou três possibilidades de sair, a mais forte das quais para o Chievo, da Série A italiana. Tentaram fazer um acordo, foram insistentes nas conversas que mantiveram comigo, ofereciam-me a possibilidade de voltar a jogar em Itália mas mais uma vez o coração falou mais alto e decidi ficar.

COM TIMOR

NO CORAÇÃO

— O que leva desta passagem por Timor-Leste?

— Tinha muita curiosidade em conhecer Timor-Leste, um país que fomos associando, através das notícias que nos chegavam, a alguma turbulência social. Mas confirmei, sobretudo, aquilo que quem já cá tinha estado me dissera: trata-se dum país lindo, de gente espectacular, que nos acolheu de forma fantástica. Satisfiz a minha curiosidade e levo o prémio de ter conhecido Xanana Gusmão e Ramos Horta, duas personalidades que muito fizeram pelo povo timorense. E ainda a felicidade de ter sido nomeado embaixador de Timor-Leste para o desporto e turismo. Fantástico, absolutamente fantástico!

2 comentários:

  1. A capa de o jornal A Bola era dispensável....

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  2. Esta entrevista é notável e de um esclarecimento incomum para um jogador de futebol. Nuno Gomes será uma grande mais valia para o Benfica no futuro, pela lucidez, pela empatia que tem com o adepto e sobretudo pela postura à Benfica que sempre adoptou.

    Penso que dará um excelente responsável pelas relações internacionais do clube e pela disseminação da marca Benfica pelo mundo.

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