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quarta-feira, 31 de março de 2010

Michael Manniche em Entrevista ao I

Manniche foi um dos jogadores que eu mais idolatrei na minha infância. Chegou ao Benfica na altura em que me tornei sócio para poder ver todos os jogos no estádio da Luz. Ele e Stromberg foram os responsáveis por eu desejar ser louro aos 10 anos para deixar crescer o cabelo e jogar como eles. Estive na Luz no famoso jogo com o Liverpool na 2a mão da Taça dos Campeões. Depois de perdermos em Inglaterra por 3-1 (3 golos do terrível Rush) começámos o jogo na Luz a vencer com um penalti marcado por Manniche. Estivemos muito perto de fazer o 2o golo mas o resultado ficou em 1-0. Tive que esperar 20 anos por uma vingança. Desses tempos ficaram a simpatia pela equipa do Liverpool e a eterna admiração pelo dinamarquês que não dava 5 toques seguidos na bola e cabeceava de olhos fechados.


Michael Manniche fala três línguas mas só se expressa correctamente em dinamarquês, numa sonoridade que se assemelha à de uma máquina de flippers. O seu inglês tem altos e baixos e o português só aparece em palavras soltas, como "sócios", "Benfica", "Cascais", "restaurante Pimentão" e "canina". Alto e louro, Manniche foi o quinto estrangeiro de sempre a jogar no Benfica, depois dos brasileiros Jorge Gomes e César (1979-80), do jugoslavo Filipovic (82-83) e do sueco Stromberg (83-84).

O avançado dinamarquês chegou à Luz no Verão de 1984, na era Fernando Martins. Veio do Hvidovre, onde foi campeão dinamarquês, em 1981, e somou 23 golos em 77 jogos. Ainda antes de tocar na bola, Manniche já causara impressão no aeroporto. Media 1,96 metros de altura e tinha um arcaboiço pouco comum para um jogador de futebol. Ainda por cima, em Portugal, onde a selecção nacional acabara de brilhar no Euro-84 com seis jogadores do onze da meia-final com a França abaixo do 1,75. Está a ver o impacto, não é verdade? Mas pronto, Manniche vinha da Dinamarca, um país futebolisticamente sem expressão, e falou-se numa aposta falhada de Fernando Martins. Puro engano. Em quatro épocas na Luz, duas deles (a primeira e a última) em que não foi titular assumido, Manniche não só ganhou seis títulos (dois campeonatos, três Taças de Portugal e uma Supertaça nacional), como ainda marcou 75 golos em 132 jogos. Um desses golos foi ao Liverpool e valeu uma vitória (1-0) sobre a equipa que o Benfica defronta esta quinta-feira para os quartos-de-final da Liga Europa. Mote mais que suficiente para uma viagem ao passado. Em dinamarquês (ou flipperês, whatever), inglês e português. Mas sempre a rir, porque o homem é alto, louro e divertido. E aí está uma característica pouco conhecida dos dinamarqueses.

Boa tarde, é o Manniche?

Plim, plam, plim (deve ter sido "sim" em dinamarquês).

Daqui Rui Miguel Tovar, de Portugal. Tudo bem?

Ahhh, claro, claro. De que jornal és?

Do i, que nasceu em Maio do ano passado. Somos um jornal generalista. Política, economia, cultura, desporto...

Ahhh, boa, boa. E o que queres?

Quero falar contigo sobre o Benfica-Liverpool. Há uns anos marcaste um golo e o Benfica ganhou.

E era tão bom que isso se repetisse, mas com happy end. Porque nesse dia em que marquei, nunca mais me esqueço, fomos eliminados. Tínhamos perdido 3-1 [hat trick de Ian Rush a responder à "ousadia" de Diamantino] em Anfield e precisávamos de 2-0 para passar. O penálti foi muito cedo, aos cinco minutos, julgo eu, numa falta do Grobbelaar sobre o Jorge Silva. Portanto tivemos 85 minutos para marcar o 2-0 mas ele nunca chegou e lembro--me como se fosse agora (o "agora" dito em português) que os adeptos do Benfica nos aplaudiram no final do jogo, que acabou dez para dez, com as expulsões de Pietra e Dalglish, ao mesmo tempo, no final da primeira parte. Nessa altura o Benfica era bom e o Liverpool era fortíssimo. Aliás, era o campeão europeu e também chegou à final da Taça dos Campeões desse ano. Agora há um maior equilíbrio de forças e é até o Benfica quem está por cima do Liverpool em confiança, ritmo e jogo.

É verdade que "Tosco" era a sua alcunha na Luz?

Toscooo [pergunta com sotaque inglês]? Sim, lembro-me disso. Mas não é uma coisa muito boa, pois não?

É como se fosse desajeitado.

Ah ah ah [grandes gargalhadas, seguidas de uma explicação em dinamarquês a pessoas ao seu lado e aí explosão de gargalhadas em conjunto]. Tosco, ok! Sim, as pessoas começaram a chamar-me isso no início, porque havia Filipovic e Nené, porque eu não era titular e porque não conseguia dar cinco toques seguidos na bola, mas depois melhoraram e cheguei a ser chamado "canina", por graça. Não há um internacional português que tem o meu nome?

Sim, o Maniche.

Pois, mas só com um "ene". Que isso dos dois "enes" é um exclusivo meu. Nada de confusões entre ele e eu [e mais gargalhadas]. E ele não me parece nada toscooo. Pela forma como jogou no Euro-2004 e no Mundial-2006... Para acabar isso do toscooo, nunca ninguém me chamou isso directamente, mas às vezes ouvia, na rua, num restaurante.

Onde é que vivia?

Cascais [e o tom de voz sobe alegremente]. Fora de Lisboa mas tão perto e tão bonito... Foi o Benfica que escolheu a minha casa, porque lá eu ficava ao lado de Stromberg e Eriksson.

Mas então como é que um dinamarquês se entendia com dois suecos?

Sou uma desgraça para a nação. Admito. Eh eh. Repara no meu dia-a-dia. Ia para os treinos e vinha para casa com o Stromberg, a percorrer aquela linda marginal, e depois jantava com suecos, que nada tinham a ver com futebol. Eram vizinhos e depois tornaram-se amigos.

E havia algum restaurante de eleição?

Sim, o Pimentao [é Pimentão, claro]. Os peixes, as sobremesas. Ui ui, fantastic!

Mais alguma coisa?

Sim, os almoços e jantares com os jogadores do Benfica. Grandes tempos. Pietra, Álvaro, Bastos Lopes, Humberto Coelho, Oliveira, Diamantino, Carlos Manuel [ver caixa]. E as festas do Stromberg?

Então?

Eram do caraças [diz em português, outra vez com o tom de voz alegre]. Ele era um óptimo anfitrião.

E dentro de campo?

O maestro a comandar aquele Benfica sensacional. Jogávamos de olhos fechados.

E lá na frente, como é que era?

Levava porrada de meia-noite [novamente em português].

De quem?

Bolas, Lima Pereira [FC Porto] e Venâncio [Sporting, ver caixa ao lado]. Eram bons centrais, mas sofri entradas por trás completamente loucas. Eram outros tempos, em que não havia lei.

E mais?

Ganhava muitas bolas de cabeça. Era o canina, não era?

É verdade que um dia marcou um golo de cabeça de fora da área?

Ah sim, sim. Ao Sporting do Damas, mas nem me fales dessa tarde em que perdemos em casa [2-1, com Morato e Manuel Fernandes a surpreender Bento, a 13 de Abril de 1986, na primeira vitória do Sporting na Luz desde 1965] e deixámo-nos ultrapassar pelo FC Porto do Artur Jorge, na penúltima jornada. Eles foram campeões nacionais uma semana depois e campeões europeus na época seguinte.

Mas nessa época, 1985-86, o Benfica acabou a época a ganhar a Taça de Portugal. Nem tudo foi mau.

Sim, de acordo, mas o campeonato estava quase, quase. Foi uma pena. A Taça de Portugal foi um consolo. Ganhámos 2-0 ao Belenenses no Jamor.

Perto de casa, então?

Ahh, pois é. Mas não cheguei lá de carro, porque o Stromberg já estava na Atalanta e porque houve estágio num hotel. Cheguei de autocarro. Mas nessa tarde não marquei, apesar de ser titular.

Sim, mas já tinha brilhado no Jamor, na época anterior.

Pois, é verdade, foi no tal ano em que bati o Grobbelaar, do Liverpool, de penálti. Nessa final marquei dois ao FC Porto [3-1]. Tenho óptimas recordações da Taça. Em quatro épocas joguei três finais. Só falhei a de 1984, na época de estreia, porque fomos eliminados pelo Sporting, em Alvalade [1-2 nos oitavos, com golos de Carlos Manuel 8', Jordão 58' e Manuel Fernandes 78']. Duas épocas depois vingámo-nos [5-0 ao Sporting na Luz, nos quartos de final, com golos de Rui Águas 11', Wando 40', Álvaro 84', Manniche 86' gp e novamente Wando 90'], depois de eliminar o FC Porto [2-1 na Luz]. A Taça era óptima para mim porque marcava muitos golos [18 jogos e 22 golos, quatro deles ao Ponte da Barca, três ao União de Santarém, outros três ao FC Porto, este em eliminatórias diferentes, e mais três ao Vialonga].

E qual foi o melhor golo?

Difícil. Gostei de um ao V. Guimarães, em que fiz um chapéu com a parte... Como se diz aí?... Trivela. Promete que não diz nada ao guarda-redes?

Sim, prometo.

Era o Silvino. Na minha última época na Luz [86-87] ele jogou comigo, mas nesse 8-0 ele não teve a mínima hipótese. Estava adiantado e aproveitei.

Agora é que é para a despedida. O que diz ao seu anúncio da Robbialac?

Então, se o Eriksson fez um Macieira, com aquele chapéu, porque é que eu não podia? É como o chapéu ao Silvino. Tentei a minha sorte mas já nem sei o que dizia no anúncio. Na altura arranhava o português.

Pois... Abraço

Até já [português com sotaque de Cascais].


Maniche no Vedeta ou Marreta

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