Nos dias em que o futebol é toda uma polémica em volta de frutas, túneis, apitos dourados, petições de verdade desportiva, com curtos intervalos para jogos que se resumem a casos de arbitragem é bom que se tente lutar para voltarmos à essência da modalidade.
Ontem informei que a Cinemateca ia passar um documentário, ou melhor, vários curtos documentários sobre futebol em Portugal. Um deles tem o apelativo nome de Benfica é Campeão.
Ao saber deste evento apressei-me a divulgar e quando ontem me juntei a outros companheiros de bancada na Cinemateca estava à espera de ver muitos benfiquistas curiosos com tão invulgar projecção. Comprei logo os bilhetes, ainda vi uma câmara e uma repórter da Benfica TV e pensei que ia conviver com figuras de relevo do universo benfiquista.
Na chegada a sala estranhei os lugares vazios, poucos é certo, e só reconhecer o grande S.L.B. do Não se Mencione o Excremento. Que eu saiba além deste, do Red Pass, e do Arcádia não vi mais nenhum blog presente.
Estranho o desprezo.
O que eu vi naquela hora passada na sala da Cinemateca mexeu comigo e deixa marcas profundas no meu benfiquismo.
Eu aprendi o que é o Benfica com o meu avô, o padrinho da minha irmã, e o meu pai. Aprendi com as inúmeras e deliciosas histórias que o o pai da minha mãe foi partilhando comigo ao longo da vida até ao dia do seu falecimento em 1999. Lembro-me de todas e sei que contribuíram para a minha cultura benfiquista de forma decisiva. As viagens pelo país para ir ver o Benfica, o ambiente festivo em volta dos jogos do Benfica, a construção do Estádio da Luz com o suor, dinheiro, e ofertas dos associados do Benfica, a mística dos jogadores, o bom futebol, as rivalidades internas com o Sporting e o Belenenses (ele não dava importância nenhuma ao Porto) as externas com os espanhóis, a mobilidade absolutamente impressionante dos adeptos em dia de jogo, o apoio que vinha das bancadas que criaram o famoso ambiente de Inferno da Luz, tudo isto contado por quem viveu aqueles tempos.
O facto de sempre ter vivido bem perto da Luz cedo me levou a frequentar aquele maravilhoso monumento e a aprender mais histórias. Eu só entrei na vida do Sport Lisboa e Benfica no fim dos anos 70. Já tinha tanto para aprender! O padrinho da minha irmã um dia resolveu levar-me a ver um jogo a sério. Aqueles 90' mudaram a minha vida. Foi em 1979 tinha eu 6 anos. Nunca mais quis outro ambiente que não aquele. Fiquei completamente maravilhado com tudo. Sentia-se o cheiro da tal mística. Fiquei de tal maneira absorvido pelo Benfica que passei a acompanhar o meu pai, sportinguista de nascença, aos grandes jogos europeus para os quais ele era convidado para a bancada central. Vi noites europeias fantásticas. Vi a meia final da Taça das Taças contra o Carl Zeiss Jena que ganhámos 1-0 mas não chegou para anular o 0-2 trazido da RDA. E a partir daí raramente falhei uma noite europeia na Luz. A mais marcante foi aquela em que o meu avô entrou na Luz pela última vez e me levou pela mão. Empate a 1 na final da UEFA com o Anderlecht. Um dos momentos mais queridos de toda a minha vida, o abraço que ele me deu no golo do Shéu.
Ontem tive oportunidade de me lembrar disto tudo. No fundo foi o regresso às raízes. Finalmente pude associar as imagens que a minha imaginação fabricou com os dados das histórias do meu avô às imagens reais do Benfica em 1959/60.
E o que posso dizer é que afinal o meu avô era um homem comedido. Todo aquele entusiasmo com que me falava do apoio ao Benfica pecava por ... escasso.
As imagens que eu vi ontem pulverizaram todas as minhas expectativas.
Como é que o meu avô podia entender o movimento das claques a que pertenci no anos 80 e 90?! Eu bem tentei dizer que nós é que tínhamos o espírito de apoiar, ele sempre foi contra e torcia o nariz.
Só ontem percebi porquê. Realmente as nossas intenções eram óptimas, mas o que os nossos antepassados fizeram pelo Benfica foi muito mais impressionante. Não era uma claque nem duas... Eram dezenas de milhares de pessoas com bandeiras do Benfica e num apoio esmagador à equipa!
Na época 1959/60 o Campeonato de Portugal de futebol conheceu a vigésima sexta edição. Participavam 14 equipas e o Benfica procurava o seu 10º título.
A duas jornadas do fim fomos jogar a Matosinhos com o Leixões (acabou em 8º lugar) e a vitória dava o título.
O documentário mostra imagens da véspera do jogo. Testemunha a loucura e a ansiedade com que os adeptos esperavam o importante desafio. Uma original iniciativa do clube fez com que os benfiquistas de Lisboa fossem apoiar o Glorioso não de carro, nem de autocarro, nem de comboio...
No dia 4/06/1960 milhares de adeptos do Benfica foram no navio "Timor" de Lisboa para Matosinhos! As imagens do documentário são deslumbrantes. O porto de Lisboa invadido por milhares de adeptos a embarcarem numa animação e confiança contagiante. A imagem do navio a sair do cais é impressionante. Estamos a falar deste monstro:
Chegados no dia seguinte (!) ao porto de Leixões tiveram uma recepção apoteótica dos benfiquistas do norte que invadiram o cais em euforia total. O Porto era encarnado. O modesto estádio do Leixões rebentava pelas costuras com adeptos mesmo em cima das 4 linhas. Tudo do Benfica. Imagens deslumbrantes de um jogo que nos valeu o Título porque ganhámos, obviamente.
Esta sequência de imagens do navio até ao estádio fazem mais pela História do Benfica do que um ano de emissões da Benfica TV.
Depois há a cobertura do dia de jogo com o Belenenses na última jornada. Era um jogo importante porque ia consagrar o Benfica como campeão invicto! Em 25 jogos tínhamos 20 vitórias e 5 empates.
Imagens lindíssimas do estádio da Luz já com o seu Terceiro Anel imponente completamente cheio, a rumaria nos arredores do estádio, tudo campo saloio, os adeptos com bandeiras, e a loucura no relvado com centenas de pessoas de volta dos nossos jogadores que recebiam flores, abraços e beijinhos. Um cenário de festa total. Lindo o momento em que se filma a entrada da equipa do Belenenses que passa despercebida no meio de tanta azáfama no centro do relvado. Só visto!
Claro que na altura, como agora, tanta euforia deu mau resultado e acabámos por perder o jogo por 1-2 e a invencibilidade no campeonato.
A sessão foi ainda mais abrilhantada pela presença de um ilustre sócio, pai do Pedro do Arcádia, que estava ali apenas a recordar momentos que presenciou! Esteve nas inaugurações da Luz e do Jamor, e esteve neste jogo com o Belém. Confessava-nos no fim da sessão que apesar de se ver no documentário uma animada invasão de campo no fim do jogo a malta não estava nada satisfeita com a derrota. Antes pelo contrário. Ele foi um dos que não achou piada nenhuma. No fundo está no nosso sangue facilitar em alturas decisivas como se tem visto na história recente.
Há muitos mais pormenores deliciosos no documentários, tais como uns momentos de publicidade descarada a iogurtes, ao sumol e aos cigarros Benfica! Sim, os jogadores fumavam, mas só cigarros da marca Benfica!!
São imagens com uma carga emocional tão forte para quem está a associar o que os olhos vêm com aquilo que a sua memória guarda de conversas com 30 anos de distância que não consegui evitar umas lágrimas de emoção.
Estes 11 minutos de documentário são ouro puro. São imagens que têm de ser rapidamente vistas por responsáveis do Benfica, têm que ser adquiridas pelo nosso clube para serem divulgadas pelo universo de benfiquistas espalhados pelo mundo.
Tanto que se preocupam com imagens da treta de túneis e sobre um tesouro destes não há interesse nenhum?!
Prometo que vou fazer tudo o que puder para chegar ao contacto com responsáveis do Benfica. O meu primeiro contributo é este modesto texto que quero que seja lido pelos nossos directores. Os leitores podem ajudar divulgando a necessidade de termos acesso a este filme. Isto é a história do Benfica como nunca a vimos!
Sinto-me hoje mais benfiquista que ontem. Não sei como é possível mas sinto.
Como é, vamos de barco para Matosinho no fim deste mês?
Viva o SPORT LISBOA E BENFICA!
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
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Plenamente de acordo com tudo o que escreves. São imagens impressionantes e, apesar do teu magnífico relato, não há palavras que lhes façam jus. Deveriam ser de visionamento obrigatório por todos os benfiquistas. Quem ainda não sabe o que é a mística tem ali a resposta em apenas 11 minutos.
ResponderEliminarFala com o pessoal da tertúlia, se calhar eles podem ajudar a chegar este documentário a quem de direito.
ResponderEliminarA Tertúlia Benfiquista estava lá, através do S.L.B. e da minha pessoa.
ResponderEliminar(de qualquer forma, a Cinemateca é a minha segunda casa há 25 anos...)
Eu vivi esses momentos e a tristeza dos golos de Yauka que quebraram a invencibilidade do Benfica na última jornada. Isto, apesar de José Águas marcar primeiro para o Benfica. Mas o Belenenses, o grande Belenenses da época, de Matateu, Vicente e Yaúka, não era pêra doce e demonstrou-o. Era a primeira vez que um clube se sagrava campeão invicto.
ResponderEliminarPaciência, anos mais tarde fizemos 22 vitórias consecutivas. No 23º jogo fomos às Antas sem os nossos dois centrais, Humberto Coelho e Raúl. Só conseguimos o empate a 2-2 e a hipótese de terminar só com vitórias esfumou-se principalmente na impossibilidade de o Benfica apresentar a sua melhor equipa. Depois ainda cedemos um empate ao Atlético, na Tapadiinha. E terminámos o campeonato com 28 vitórias e 2 empates.
Em 1959-1960 já se viviam os prenúncios das grandes conquistas da década de 60.- Em Portugal, o país parava, mas parava mesmo, para assistir, pela televisão, aos jogos internacionais do Benfica. Não se falava de outra coisa.
Belos tempos esses que eu vivi na minha mocidade.
JG, o Benfica tem o condão de nos surpreender ainda mais quando já pensamos que vimos tudo. Se calhar, quando falamos do Benfica, ainda não vimos nada, porque recuar a esses tempos saloios e de pura devoção e paixão desinteressada dos vícios que minam hoje o futebol, faz-nos compreender que o nosso clube é bem maior do que esperávamos.
ResponderEliminarEu amava ver a Luz, e os estádios em geral, carregada de bandeiras. Quando era puto, levava uma a todos os jogos. Agora quase que nos é imposto ficarmos obrigatoriamente sentados e nem uma inofensiva bandeira com o símbolo do nosso clube nos é permitido levar. No sábado, vou levar uma para a Luz que tem 17 anos e foi feita à mão pela avó de um amigo meu. O jogo é às 17h, uma hora à antiga que pede um "eigthies revival".
P.S.: É óptimo ver bloggers como o Gil Vicente por aqui.
O visionamento ontem do documentário foi um momento emocionante; mas estas tuas palavras não o são menos. Obrigado!
ResponderEliminarTrês notas:
i) Para além dos momentos que referes o meu Pai também esteve em Matosinhos, no jogo retratado pelo documentário, mas não foi de barco – tenho de saber qual o motivo. Diz me ele que foi de autocarro para Matosinhos. Ele e mais uns milhares, o que só reforça a presença massiva de Benfiquistas do Sul nesse ditoso jogo;
ii) Se quiseres ir de barco para Matosinhos, vamos de barco para Matosinhos. Penso que tenho como arranjar forma de alugar um barco com tripulação para nos levar até Matosinhos – não será o Timor mas…;
iii) Dispõem quanto à tarefa de elucidar a Direcção do Benfica quanto à aquisição e divulgação do documentário; aliás, o meu Pai foi peremptório nessa ideia ainda ontem no foyer da cinemateca – e eu acho que ele sabe do que fala…, em breve – se lá chegar – serão “apenas” 75 anos de sócio.
Algumas dessas histórias também as conheço!!!
ResponderEliminarO meu benfiquismo devo-o ao meu pai! Homem do norte mas que muito cedo na vida (16 anos) foi sozinho trabalhar para Lisboa!!! Mas o trabalho acabava à 6a feira e o fim-de-semana era todo dedicado ao Benfica!!! Diz-me ele que não falhava um jogo na Luz do Benfica, os das camadas jovens (diz que era o dia inteiro naquilo), as modalidades, etc! Morava em São Domingos de Benfica.
E a minha infância foi passada a ouvir histórias do Benfica!!! 90% das conversas com o meu pai são sobre o Benfica!! Para ele a hora do jogo do Benfica é religiosa! Ele que é hoje um respeitoso sexagenário parece uma criança quando o Benfica faz golo!!
O meu maior sonho é ainda irmos a tempo de festejar um título europeu juntos!!
E já agora deixo aqui a ideia de transferirmos essa viajem de barco para o dia de jogo contra os andrades!! Possivelmente já campeões ou em vias de... Nesse dia o Porto será nosso ainda mais do que já o é!!!
ResponderEliminarAbraço
Se visse esse documentário, além de gastar 2 lenços para enxugar as lágrimas, ficava 2 dias em pele de galinha e em êxtase.
ResponderEliminarEsta peça escrita pelo JG está como aquele hotel nas arábias...7 estrelas!!!
Em continuação ao que diz o ENORME GIL VICENTE, sobre aquele jogo que fomos empatar no covil do ladrão, lembro-me perfeitamente desse resultado e de outra coisa relevante que se passou, que foi o debute do BASTOS LOPES no lado esquerdo da defesa, por lesão do titular.
Era praticamente um junior e saltou para a ribalta fazendo um belo jogo.
Só um clube como o nosso é que pode fretar um barco daquele tamanho. Enfim...coisas de quem é grande!!!
Maravilha! Emoção nas palavras. Já divulguei, no meu 'cantinho', este texto delicioso. Merece bem o destaque.
ResponderEliminarAbraço :)
Estou a delirar com este texto e o maravilhoso debate! Tenho que ver o documentário!
ResponderEliminarSe ganhar hoje no Euromilhões, vou fretar o maior barco que houver e levar à borla os benfiquistas que quiserem ir ao Porto, partindo do Algarve e indo por aí acima... Carago, que até partimos a porra da ponte ao navegar Douro acima!!! ;-)
LINDOOOOOOO...epá eu que sou editor de vídeo...adorava ter ido assistir...
ResponderEliminarpor afazeres de trabalho...certamete menos interessantes não assisti...
parabéns pelo texto...puseste em letras o que o doc deve mostrar em imagens...eu pelo menos consegui sentir!
Abraço
PS:Já divulguei no meu modesto blogue...todos juntos seremos poucos!
Belissimo, esta estória tão bem contada leva-me a ter uma curiosidade enorme de ver o documentário. Obrigado e espero que adquiram o mesmo. Saudações Benfiquistas
ResponderEliminarGostava de ver esse documentário na Benfica TV.
ResponderEliminarE, como não não posso ir de barco de Santo Tirso para Matosinhos, iria com gosto receber os benfiquistas ao porto de leixões.
Tudo por um Benfica campeão.
Um tipo pode ter um dia péssimo, mas entrando aqui e deparando-se com este misticismo, este amor ao Clube, esquece toda a porcaria que pulula pela vida. Obrigado!
ResponderEliminarMesmo sendo adepto de outras cores, reconheço que este texto está excelente.
ResponderEliminarEssa época contribuiu para o GRANDE Benfica, que se ergueu a si próprio e com os seus adeptos, do POVO, ao contrário dos outros DOIS que têm origens NOBRES ( .. da chamada NOBREZA). E como aqueles não o compreendem dizem que o Benfica ganhava na ditadura por ser o clube do regime ... IGNORÂNCIA .....
ResponderEliminarO Benfica é festa, é alegria, é POVO e isso os outros dois nunca saberão o que é ....
Texto enviado para o nosso SLB
ResponderEliminarÉ garantido que chegara a quem de direito.
O meu obrigado por este testemunho de puro benfiquismo.
E Pluribus Unum