QuE agenda foi estabelecida para o Benfica a pensar nos desafios propostos pelo ano de 2010 que está a começar?
— A agenda normal de um Clube moderno em que o futebol ocupa lugar de destaque mas em que as responsabilidades vão muito para além do futebol. Conseguimos recuperar em apenas nove anos todo o atraso a nível de infra-estruturas e, ao mesmo tempo, credibilizámos o Clube, portanto, agora temos que fazer a gestão corrente, acompanhar a realidade nacional e internacional, provocar as rupturas que se revelaram necessárias aos interesses do Benfica. Costumo dizer que o Benfica voltou a ter futuro, em contraste com aquilo que encontrámos quando aqui cheguei. Nesta altura, queremos juntar ao património os resultados desportivos, quer seja no futebol, nas modalidades ou na formação. É nisto que estou concentrado e empenhado.
— Vamos assistir a alterações de fundo em matérias tão relevantes como o naming do estádio, renegociações com a Sagres ou a Adidas, a entrada da Benfica TV na plataforma ZON ou a venda dos direitos televisivos?
— Tudo tem o seu tempo e garantidamente, como pode calcular, são matérias que obrigam a reserva e seguramente a muita negociação. O que posso garantir, como de resto tenho feito até aqui, é que vamos assumir até ao fim os compromissos que assinámos, mas é evidente que em cada uma das matérias que indicou na pergunta iremos bater-nos por defender ao máximo os interesses do Benfica. A verdade é que conseguindo negociar ou renegociar todos os contratos que referiu, vamos colocar o Benfica num patamar completamente diferente!
— Já foi dito em diversas ocasiões que o Benfica está a receber muito menos em direitos televisivos do que aquilo que virá a auferir num futuro próximo, concorda?
— Todos sabem que os nossos jogos lideram largamente as audiências, mas também é verdade que temos um contrato assinado que iremos respeitar. No entanto, existe a expectativa sustentada de vir a melhorar substancialmente os valores do presente contrato! Neste momento o que importa dizer e reter é que temos um contrato que vamos respeitar.
— Mas, e deixando os direitos televisivos de fora, acredita que ainda é possível optimizar o actual nível de receitas?
-- Sem dúvida, já falou por exemplo de algo que ainda falta explorar, o naming do estádio. Depois, estou convencido que podemos melhorar, com uma boa margem, o valor de alguns patrocínios. Finalmente, deixando de fora os direitos televisivos, ainda temos os nossos jogadores. Todos reconhecem que eles valem muitíssimo mais hoje do que valiam há seis meses atrás. Portanto, por tudo isto sinto-me bastante confortável com a situação actual.
MERCADO DE INVERNO E FUNDO DE JOGADORES
— O Benfica foi ao mercado de Inverno apesar de ter um bom plantel. Os adversários interrogam-se de onde vem o dinheiro para estas operações. Há segredo?
— Não há segredo, há gestão e um compromisso que resulta da última campanha eleitoral e que tenciono cumprir. Podíamos ter resultados financeiros completamente diferentes, mas teríamos vendido jogadores e comprometido o nosso desempenho desportivo. Os parceiros financeiros, em função do nosso histórico, acreditam em nós e tem sido parceiros fundamentais no desenvolvimento de uma estratégia pensada. Podíamos ter vendido alguns jogadores quando o campeonato acabou e nesse caso as nossas contas teriam sido completamente diferentes, mas teríamos vendido mal. Hoje, todos eles estão muito mais valorizados, alguns são mesmo dos mais acompanhados da Europa.
— A criação do Fundo de Jogadores foi uma espécie de ovo de Colombo que outros clubes irão inevitavelmente seguir?
— Nos últimos anos inovámos sempre no negócio do futebol e não só; depois os outros vêm atrás. O Fundo é apenas mais um caso. O que é que o Fundo nos permite? Ceder parte do passe de alguns jogadores, mantendo esses mesmos jogadores no Clube, ou seja realizamos o encaixe necessário sem ter de realizar a venda imediata. Mas além da inovação desta solução, queríamos que ela fosse transparente e por isso fizemos questão que o Fundo estivesse sediado em Portugal e debaixo da supervisão da CMVM, e não como outros fundos anteriores que foram sediados em paraísos fiscais.
— Qual foi a razão do Benfica ter investido no seu próprio Fundo?
— É o melhor sinal da confiança que podemos transmitir. Se quiser, é uma lógica de compromisso em relação a todos aqueles que decidiram investir nele. Também investem porque vêm que o Benfica acredita no Fundo que criou.
— Que sentido tiveram as alterações verificadas na estrutura da SAD?
— Não houve alterações, apenas alguns ajustamentos que tiveram a ver com a necessidade da Dr. Teresa Claudino se dedicar a novas áreas em que estamos a investir como sejam a Clínica e alguns projectos de responsabilidade social, daí a entrada do Dr. Rui Gomes da Silva para a Administração da SAD.
— Que política desportiva será seguida no final da época? Muitas vendas? Muitas compras? Ou, ao invés, aposta na continuidade?
— A prestação desportiva da equipa, a consequente valorização da generalidade dos jogadores e as inúmeras abordagens que têm sido feitas levam-me a pensar que será muito difícil manter o actual plantel tal como ele está. Porque assim penso e não sou ingénuo, estamos já a trabalhar para preparar o médio prazo e alguns dos jovens jogadores que estamos a assegurar nesta fase são, exactamente, para começar a preparar o futuro.
JORGE JESUS E O TÍTULO— É previsível que o Benfica renove o contrato com Jorge Jesus ao longo de 2010?
— É previsível que Jorge Jesus seja o treinador do Benfica durante muitos anos e não o digo pelo lugar que hoje ocupamos no campeonato, mas sim pelo trabalho que todos os que lidam com ele dentro do Benfica lhe reconhecem. Portanto, Jesus tem todas as condições para fazer um percurso de longa duração à frente do Benfica.
— Acredita num Benfica campeão em 2009/10?
— Estou optimista em relação a isso, mas não é uma garantia, até porque como disse recentemente na inauguração de uma Casa do Benfica, ninguém pode garantir vitórias ou campeonatos, a não ser que se movimente em zonas escuras. Acho que fizemos tudo para construir uma equipa ganhadora, mas há caprichos da bola em campo que ninguém domina. Não posso garantir que vamos ser campeões, mas apenas que vamos fazer tudo para o conseguir.
— Como foi feito o caminho, desde a contratação de Jesus até este momento, numa época em que os adeptos têm aderido como há muito não se via no Benfica?
— Não há segredo. Contratámos um bom treinador - aquele que era desde há muito a minha escolha -, formámos um bom plantel e assegurámos uma boa estrutura profissional. E aqui destaco, sem esquecer o trabalho incansável de todos, a dedicação e paixão com que o Jorge Jesus abraçou este projecto. É verdadeiramente admirável o seu rigor, profissionalismo e entrega. Mas as pessoas têm de estar preparadas para uma ou outra situação menos feliz que a equipa possa viver. E aí todos vão ter de nos ajudar como têm constantemente ajudado a equipa este ano.
— Esta equipa já atingiu o seu máximo?
— Não é isso que o Jorge Jesus me transmite. Segundo ele, o nosso plantel ainda tem uma margem de progressão muito grande. Também é verdade que alguns ajustamentos que fizemos não têm a ver apenas com o curto prazo, mas antes com uma lógica de começar a preparar já a próxima época. Todos os jogadores que entraram agora, são jovens e com enorme talento mas que vão ter que passar por um período de adaptação e, como tal, vão começar a entrar na equipa, crescendo dentro do Benfica, para, quando for necessário, estarem prontos.
— Mas há cada vez menos portugueses na equipa...
— O tempo deles acabará por chegar. Temos jovens na nossa formação que no futuro acabarão por ter o seu lugar na equipa principal, mas primeiro é preciso prepará-los, é preciso construir uma equipa vencedora. Os primeiros a criticar o facto de termos poucos portugueses, são também os mais críticos quando os «jovens portugueses» falham, são os mais críticos quando alguma coisa falha. Por isso temos de assumir uma dinâmica vencedora e depois começar a integrar os jovens da nossa formação. Ninguém mais do que eu deseja ter muitos portugueses na nossa equipa, mas temos de dar um passo de cada vez.
— A Liga Europa (embora nas contas oficiosas do Benfica esteja «apenas» uma presença nos quartos-de-final...) é um sonho?
— Estou certo de que iremos o mais longe que nos for possível. A vitória não está entre os objectivos delineados no início da época. Nesse capítulo, o nosso principal objectivo é o campeonato, mas repito, à medida que formos ultrapassando eliminatórias, não iremos desperdiçar a oportunidade de chegar o mais longe que for possível!
— O Benfica, mesmo sem o recurso a verbas da Liga dos Campeões, apetrechou-se bem e mostra capacidade para mais. Se chegar à Champions, qual é o limite para o Benfica?
— Temos vindo a fazer um trabalho sério e que foi reconhecido pelos nossos sócios. Sabemos que a presença numa Liga dos Campeões pode valer 15 milhões de euros. Sei também que em 2006/2007 estivemos na Liga dos Campeões e tivemos 20 milhões de lucro. Portanto, é evidente que estar lá representa uma parcela financeira importante. Mesmo assim, afastados há dois anos dessa competição, conseguimos fazer o que poucos acreditariam ser possível. O que mais me estranha é que outros clubes que não passaram pelas dificuldades que nós passámos, que estiveram repetidamente na Liga dos Campeões e que vendem regularmente jogadores só consigam apresentar lucros mínimos ou mesmo prejuízos. Quando desportivamente voltarmos ao nosso melhor a verdade é que não sei onde poderemos chegar!
— Acredita que estamos a assistir ao início de uma mudança de ciclo, uma antecâmara da passagem da hegemonia desportiva do FC Porto para o Benfica?— Preocupa-me pouco o que se passa ao lado, só me preocupa o que se passa nesta casa e, nesse capítulo, estou certo de que estamos a construir um projecto sustentado que nos vai permitir edificar um edifício desportivo de sucesso. Não faço as coisas em função do que os outros fazem, mas sim em função da minha convicção do que é ou não melhor para o Benfica.
— Como caracteriza as várias fases por que passou o futebol do Benfica desde que chegou ao clube, ainda no mandato de Manuel Vilarinho, como gestor do futebol?
— Foram fases muito diferentes. Houve um primeiro momento em que o único projecto que tínhamos era a de salvar o Clube, depois o de recuperar o seu património, depois começámos a desenvolver o futebol e, agora, finalmente, estamos a consolidar todo esse projecto. A tudo isto, e é bom não esquecer, conseguimos juntar a credibilização do Benfica enquanto instituição, algo que há nove anos atrás se tinha perdido!
— Se voltasse ao princípio desta caminhada no Benfica teria dito sim ao convite para entrar no clube?
— Creio que sim, talvez tivesse feito algumas coisas de forma diferente, mas isso é próprio da vida. Infelizmente, não temos uma segunda oportunidade para fazer diferente, por isso não vale a pena lamentar-me muito. É fácil tomar decisões conhecendo as suas implicações no futuro, mas como tal não é possível, não vale a pena perder muito tempo com isso. Em todo o caso, no conjunto de todos estes anos, era difícil fazer de forma diferente!
— Sente-se recompensado pelos alertas que fez contra a corrupção no futebol português?
— Sinto, simplesmente, que fiz aquilo que devia ser feito e que se não fosse isso talvez hoje continuássemos a viver na intolerável mentira de outros anos!
— O Benfica foi derrotado na justiça desportiva europeia?
— Não, a justiça desportiva é que foi derrotada em algumas instâncias do futebol europeu, o que é bastante diferente!
— Como viu a absolvição do FC Porto pelo TAS e a alteração do regulamento disciplinar da UEFA?
— Acho simplesmente que fugiram de um problema, mas independentemente de terem feito vista grossa, todos os que estiveram envolvidos no processo perceberam a dimensão do escândalo.
— O Apito Dourado fez justiça, foi longe demais ou deveria ter ido mais longe?
— Não quero voltar a um capítulo que já todos conhecem, mas é evidente que apesar de algumas decisões judiciais e de outras que alguns perspectivam e anunciam com fanfarronice …- lá saberão porquê e como o podem garantir - ninguém já tem dúvidas do que realmente aconteceu. O importante é garantir que situações como aquelas que foram conhecidas e denunciadas não voltem a repetir-se no futebol português.
SER OU NÃO SER REMUNERADO...— Quantas horas diárias dedica ao Benfica e quantas horas gasta com as suas empresas?
— Não sei contabilizar o tempo que estou ao serviço do Benfica, mas sei que dedico muito menos tempo do que devia ás minhas empresas. Mas não me queixo, tenho orgulho em ser Presidente do SL Benfica e tenho um compromisso com a palavra dada, que venho respeitando. Este lugar só pode ser assumido com espírito de missão e colocando os interesses do Benfica acima de tudo. Sou dos chamados «três grandes» o único Presidente não remunerado e isso é para mim motivo de orgulho. Mal do Benfica quando tiver de ter um Presidente remunerado...
— Na época passada falhou, por indicação médica, devido a problemas de tensão, muitos jogos do Benfica. Nesta temporada tem ido a todos. Melhorou ou deixou de dar ouvidos ao médico?
— Digamos que passei a ouvir menos os médicos…
— Tem feito milhões de quilómetros para estar junto dos benfiquistas. Sente-se recompensado, ou, a páginas tantas, o cansaço físico leva-o a pensar duas vezes sobre a sua capacidade de manter este ritmo?
— É evidente que o desgaste físico é muito grande, mas creio que os benfiquistas que diariamente se dedicam ao Clube e que também fazem muitos sacrifícios durante o ano merecem que o Presidente esteja disponível e próximo deles, nomeadamente através das suas Casas espalhadas pelo País e pelo Mundo fora. Tenho-o repetido em diversas ocasiões, as Casas representam verdadeiras «embaixadas» e merecem toda a nossa atenção. Para mim sempre foi claro que o Clube existe em função dos seus sócios e simpatizantes e é para eles que tenho virado a minha atenção.
— Falou dos sócios, e por declarações recentes, continua a creditar ser possível chegar aos 300 mil sócios?
— Sinceramente acredito que é possível. Ainda há pouco tempo atingimos os duzentos mil e em pouco mais de um mês e meio já fizemos mais cinco mil sócios. A equipa de futebol, que é no fundo a principal referência, tem sido «empurrada» pelos sócios e eu noto que há muita gente que quer formalizar a sua ligação ao Clube. Estou convencido que vamos atingir a meta proposta, mas não me peçam uma meta temporal.
CONSEQUÊNCIAS DA VITÓRIA ELEITORAL— O que significou para si a esmagadora vitória eleitoral de Julho de 2009?
— Foi um momento de avaliação e de responsabilização pelo passado e futuro do projecto, mas ao mesmo tempo foi um movimento popular impressionante. Quem viveu os dias anteriores à eleição, com as várias manobras jurídicas, com uma campanha dominada por insinuações sem fundamento, sabe do que falo. É evidente que fiquei sensibilizado com o apoio recebido e, principalmente, pela forma expressiva como foi manifestado.
— As candidaturas da oposição, a que foi às urnas e a que não passou do papel, tinham agendas secretas, objectivos escondidos, que partiam da base da tomada do poder no Benfica?
— Não sei o que tinham, mas sei o que seguramente não tinham: não tinham uma ideia ou um projecto para o Benfica e os sócios perceberam isso. Repito hoje, o que disse antes e durante a campanha: a minha porta está sempre aberta para receber quem tenha boas ideias. Ainda ninguém, desses senhores, bateu à minha porta!
— Se as eleições não tivessem sido antecipadas, o Benfica (consigo ou com outro...) estaria como está hoje?
— Seguramente a planificação teria sido atrasada e, em consequência, prejudicada a performance desportiva da equipa. A antecipação das eleições, por sinal até dada altura reclamada por alguns candidatos, permitiu planificar melhor, com outra serenidade. Mas permitiu mais, permitiu retomar negociações com parceiros importantes do Benfica e que o «barulho» que alguns criaram a determinado momento, obrigaram a parar. A antecipação eleitoral foi um acto legal e estatutário (como os tribunais vieram a demonstrar) em favor do Benfica e não a favor de A ou de B. E é bom que as pessoas entendam isso. E aquelas que estão de boa-fé assim o entendem.
— As suas propostas foram aprovadas na última AG do clube. Sente-se legitimado para promover algumas alterações de fundo no clube. Porquê e para quê?
— A proposta que mereceu aprovação na última Assembleia Geral relaciona-se com o plano de reestruturação financeira que nos permite defender melhor os interesses do universo Benfica, resolver alguns problemas que precisavam de ser solucionados e, ao mesmo tempo, responder a requisitos legais a que estamos vinculados. Mas tudo isto foi feito e minuciosamente explicado aos sócios, com o clube a manter a posição dominante em todas as empresas do universo Benfica. E isso foi sempre condição prioritária para mim. De outra maneira, não contem comigo. O Clube é dos sócios e assim continuará a ser enquanto eu estiver a liderar os seus destinos.
OLHAR DA JANELA DA HISTÓRIA — Quando se afastar do Benfica, que clube gostaria de deixar ao seu sucessor?
— Gostaria de deixar o Clube que eu gostava de ter encontrado, mas creio que o meu sucessor não vai ter motivos de queixa da realidade que vai encontrar…
— Até que patamar pode chegar o Benfica?
— O Benfica chegará até onde os seus sócios quiserem. O Benfica é muito mais do que um clube português, é um clube do Mundo, admirado e respeitado por todos. Se continuarmos a fazer o nosso trabalho da maneira certa vamos crescer até onde nunca imaginámos que poderíamos chegar. Portugal precisa de um Benfica forte. Dito de outra forma, o País tem muito a ganhar com a vitalidade e sucesso do Sport Lisboa e Benfica.
— Por qual destas expressões gostaria de ficar conhecido no universo benfiquista: «Presidente do povo»; «Presidente da mudança»; «Presidente das vitórias»; «Presidente da renovação»; «Presidente da modernidade»?
— Apenas como alguém que veio do povo e que se dedicou de alma e coração ao Sport Lisboa e Benfica, para mudar, renovar e inovar e que tudo tem feito e continuará a fazer para engrandecer o nome e a história deste clube.
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